Livro

Poemas (Religioso)


ASPIRAÇÃO

Mário Morcerf

 

 

Eu quero ainda chegar ante o Teu trono

De ouro puro encastoado de safiras,

De jade, de ametistas e rubis;

De lavores fantásticos e nobres.

 

Eu quero ainda chegar e deslumbrar-me

Ante a luz que de Ti suave irradia

Amor, o todo amor que se sabia

Estar nessa presença desejada;

 

Eu quero ainda chegar trêmulo, ouvindo

Os coros orquestrais dos Teus cantores

Na louvação e honra do Teu Nome.

 

Quero chegar despido e transparente,

Ajoelhar-me, e, deixar que me consuma

Qual resina a incensar-Te, pelo menos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COMUNHÃO

Mário Morcerf

 

 

Aqui entre nós dois, nesta união de ternura,

Neste instante em que aos céus me sinto arrebatado,

Vejo realmente em mim esta pobre criatura

Cansada de sofrer ao peso do pecado.

 

E vos busco, Senhor, transido de amargura,

Arrependido e crente em que, por vós perdoado,

Possa, eu, faminto, haurir desse Pão de Fartura,

Todo o Amor em que está transubstanciado.

 

Doce instante de Paz que o amor consegue;

A mim vos entregais, confiante plenamente,

Como nem eu jamais a mim me tenho entregue.

 

Também eu quero assim: oh! dar-me totalmente,

- Ajudai-me Jesus, a fim de que eu me negue,

E tome a minha cruz e vos siga contente.

 

 

 

 

 

TERESA

Mário Morcerf

 

 

É bela, e seu sorriso entreaberto parece,

Uma prece que paira amorosa no espaço;

Seu olhar que é tão triste, alegre se umedece,

E a lágrima o aquece e fá-lo apenas baço.

 

Não precisa de andar que a terra dá-lhe o braço,

E a carrega no espaço em que firme a enobrece;

Não tem pressa, que o tempo é-lhe tolo embaraço,

Nem o cansaço a tem, que dela enfim se esquece.

 

Arde na caridade esse amor que a consome,

E esse anseio de Amor quanta força lhe

No caminho da dor, na jornada da fome

 

Ao conduzir a Deus onde quer que ela vá;

Para o pobre que a tem, ela tem outro nome:

- É Teresa do Céu e não de Calcutá.

 

 

 

 

 

 

POSTALZINHO DE MAIO

Mário Morcerf

 

 

Maria está de

Do dia pela alvorada;

E lava a roupa surrada

Do carpinteiro José.

 

Jesus traz lenha da estrada

Que rodeia Nazaré;

E como a lenha é pesada;

Mas, como forte Ele é!

 

As ferramentas apresta,

José que em zelos não falha.

A luz do dia vem lesta,

 

Nos trigais, dá brilho à palha,

E entra, ridente, em testa,

No lar em que Deus trabalha.

 

 

 

 

 

 

DOMINGO

Mário Morcerf

 

 

O sino está batendo

chamando para rezar...

ninguém bate no meu sino

que coração pequenino

qualquer vento faz dobrar.

Eu aprendi do Destino

que me ensinou conjugar

os verbos, que eu não sabia:

rezar é do verbo Amar.

 

 

 

 

 

PERDÃO

Mário Morcerf

 

 

Perdoar que coisa boa,

Esquecer-se a ingratidão;

- Ave da mágoa que voa

Do ninho do coração.

 

Do ninho do coração

Tão longe, que nos pareça,

Que ao conceder-se o perdão

Até do perdão se esqueça.

 

Até do perdão se esqueça,

E sem ser jamais lembrado,

Em nossa alma resplandeça

O bem-querer, bem cuidado.

 

O bem-querer, bem cuidado

No coração todo aberto;

- Céu azul jamais nublado,

Deus nos sorrindo de perto.

 

Deus nos sorrindo de perto,

Aberto nesse esplendor,

Iluminado, coberto

Das nuanças do seu amor.

 

Das nuanças do seu amor,

No calor que nos aquece:

Nunca mais pena nem dor

Na paz que a gente oferece.

 

Na paz que a gente oferece

Sentir-se então deslumbrado,

Como quem perdão tivesse,

Recebido, ao ter perdoado.

 

 

 

 

 

 

 

PAZ

Mário Morcerf

 

 

Não se tem o pão sem paz,

Nem se tem a paz sem pão;

amor é o elo que faz

de pão a paz conjunção.

 

 

 

 

 

NATAL

Mário Morcerf

 

 

Jesus veio por Maria,

E a Graça em tudo reluz;

com são José, que alegria!

Voltemos hoje a Jesus.

 

Busquemos chegar, na Luz

Que de Belém se irradia,

À que a esperança cria

E à Caridade conduz.

 

Que nossa alma redimida,

- Manjedoura guarnecida

do adorno sacramental –,

 

Possa, em êxtase divino,

conter tranqüila o Menino

nesta noite de Natal.

 

 

 

 

 

 

 

OFERENDA

Mário Morcerf

 

 

Senhor!

Aceitai a voz da minha insignificância,

A frágil oração,

Que, de tão frágil não se constitui,

Mas, que, trêmula se esgarça

Como último lampejo,

Da chama derradeira

De uma luz que se apaga.

 

Não chega sequer a ser prece,

É antes um suspiro,

Mas, um suspiro que não chegou a partir do coração,

E se perdeu pelos meandros de minha alma,

Onde os sentimentos se confundem.

 

Senhor!

Aceitai este silêncio.

Este silêncio por onde correm os rumores

Das minhas lagrimas

Cascateando pelos meus olhos;

Este silêncio que foge do ribombar

Das minhas tempestades íntimas,

E busca a placidez amena que a aproximação

Da luz tece nos crepúsculos que a precedem;

É a voz da minha insignificância.

 

Aceitai; Senhor, o meu silêncio,

Este silêncio que evola-se

Dentre as minhas tristeza e alegrias,

Dilui-se no silêncio imensurável que me cerca,

E se compraz.

 

 

 

 

 

 

UBIQÜIDADE

Mário Morcerf

 

 

Hei de dar-me feliz no pobre que Te busca

e no Teu nome vem pedir-me esmola.

Hei de estar neste prato de comida

que de minha mão aceita o irmão faminto.

Hei de encontrar-Te nesse abandonado

que sem meta vai vagando à toa.

Hei de abraçar-Te nessa despedida

do que partindo diz adeus e segue...

Hei de chorar contigo quando a dor pungente

ferir-me o peito e as lágrimas rolarem...

Hei de beijar-Te nesse beijo casto

da mão que treme quando me abençoa...

Hei de estar no agasalho que forneço

para aquecer o corpo regelado

do que a noite apanhou pela calçada...

Hei de curtir Tua presença amiga

quando perdoar e for perdoado, quando

o Teu consolo acarinhar minha alma

no afago doce do paterno afeto...

Hei de comer do Pão da Tua entrega

que me transforma e alimenta e nutre

e me incendeia nessa quinta-essência

que subjuga a Razão à verdade da ...

Hei de beber em Ti a taça cheia

do saboroso vinho ao ser servido

quando a memória sacudir minha alma

nesse instante feliz do reencontro.

Hei de dizer-Te que Te amo e muito

E que esse amor intenso abrange toda

a humanidade e coisas que criaste

e que esse amor me basta e nele encontro

a Vida Eterna que nos reservaste.

 

 

 

 

 

PEREGRINO

Mário Morcerf

 

 

Para o desesperado

uma trave e uma corda bastam;

Para o viajante cansado,

uma árvore à beira do caminho

satisfaz o momento,

mas se a viagem é longa

necessita o bordão para firmar o corpo;

se aspira, porém, chegar ao Final,

há de carregar a cruz

pelo caminho,

há de ferir os pés pelos espinhos

e tropeçar nas pedras.

 

 

 

 

 

 

BUSCA

Mário Morcerf

 

 

 

Não busca achar nas noites invernosas

O corpo amigo que de amor te aquece,

Nem crê que encontrarás nas lindas rosas

Perfume , que o espinho te aparece.

 

Não penses nas riquezas fabulosas,

Nem nos prazeres vãos que te oferece

O desvario das coisas enganosas,

Que esse próprio prazer delas se esquece.

 

Vai atrás do que nunca a ti te ilude,

Do que em ti permanece e não se gasta,

Que ser feliz e simples, é virtude.

 

Deseja aquilo que o Mal te afasta:

- Paz para o teu espírito, saúde,

E Amor pra Vida Eterna, isso te basta.

 

 

 

 

 

RENÚNCIA

Mário Morcerf

 

 

Não vou sentir da terra molhada o perfume que exala;

Nem das flores silvestres, vou olhar o matiz;

Nem à brisa que passa pedir que me afague,

Nem o ocaso de um sol tingindo o céu violáceo, vou querer;

Nem pássaros cantores vou trazer das matas,

Nem o murmúrio de águas, quérulas cantando,

vou ouvir cismarento.

Não vou pedir da noite o vestido estrelado,

nem à lua, que de soslaio, espie

entre montões de nuvens;

não vou pedir ao mar que se espraia na areia

que se abra todo espuma sobre a praia,

nem gaivotas querer no espaço, nem barcos sobre as ondas

carregados da de humildes pescadores.

Não vou pedir às pedras do caminho

que se afastem, nem querer que os espinhos

deixem de lado as rosas perfumadas.

Não vou sequer pentear os meus cabelos,

bater o da minha roupa envelhecida

pelo tempo que ando em tua busca;

nada vou querer para tornar mais belo

esse instante feliz do nosso encontro.

Apenas vou dizer-te, sem piedade,

que te amo muito e que este amor me basta.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário